(Pel Caç Nat 60 )

segunda-feira, 1 de março de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P59: S. Domingos Guiné- no dia em que um pelotão disse NÃO


A foto acima mostra um pelotão da C. cav 3365 a fazer segurança ao pessoal que anda apanhar lenha.


A segunda foto mostra pessoal do Pelotão do Ex Fur Mil Parreira
apanhar lenha.



Mensagem do EX Fur Mil Bernardino Parreira da C. cav 3365 S. Domingos 71/73:
Com data de 28 02 2010.

No cumprimento do Serviço Militar Obrigatório fui mobilizado como
furriel miliciano para a Guiné, mas tenho de confessar que nunca me
moveu o sentimento de "Defesa da Pátria". Sentia-me apenas mais um
desgraçado, utilizado pelo Governo de então, para servir de carne
para canhão, numa Guerra Colonial injusta, e com a qual o Povo
Portugues não se identificava. De modo que o meu objectivo desde que
cheguei à Guiné era a minha sobrevivência e a dos meus companheiros.
Nunca me considerei nem medroso nem valente, nunca prentendi ser
herói nem ganhar medalhas.
A minha conduta sempre se pautou pelo respeito para com os meus
superiores, mas não pela obediência cega. Para mim, acima de tudo
estava o respeito pela vida e pela dignidade humana.
E era com base no respeito mútuo, e na confiança, que os soldados do
meu Pelotão acatavam as ordens que eu lhes transmitia.
Era eu que na C. CAV. 3365 estava incumbido de elaborar as escalas de
serviço, de toda a Companhia, para as mais diversas funções de
patrulhamentos, defesa do quartel, abastecimento de água e de lenha
ao quartel, etc. etc., e os serviços sempre foram assegurados, sem
nunca ter tido problemas com o pessoal que era colocado, de forma
rotativa, nas varias missões que lhe eram confiadas.
Já havia perto de 1 ano que tinhamos chegado a terras da Guiné, mais
concretamente a S. Domingos, já tinhamos sofrido muitas situações
dramáticas, com bombardeamentos ao quartel, emboscadas, camaradas
gravemente feridos, mas nunca tinhamos baixado os braços.
Em Novembro de 1971, o Alferes do meu Pelotão havia sofrido ferimentos
graves na sequência da desmontagem de uma mina anti-pessoal, o que
levou à sua evacuação para a Metrópole. O Pelotão ficou bastante
abalado com aquela triste ocorrência, e, dado não ter havido
substituição do referido militar, o comando do Pelotão era assegurado
pelos furrieis, um dos quais era eu.
Normalmente saíam 2 Pelotões para o mato, e na véspera o nosso
Capitão transmitia as ordens aos Furrieis do 4º. Pelotão, que era o
meu, e ao Alferes do 3º, bem como entregava o mapa com os
"objectivos" a atingir, mas, naquele dia, no final de 1971, ou inicio
de 1972, já não sei precisar bem a data, não o fez.
Apenas o Alferes do outro Pelotão fora informado que tinhamos uma
operação no dia seguinte de madrugada. Como sempre, alinhamos à hora
marcada, e lá fomos caminhando horas e horas para destino incerto. Os
soldados dos dois Pelotões e os furrieis, começaram a notar uma
certa desorientação do Alferes, que estava a desviar-se dos trilhos
por nós conhecidos, mostrando nervosismo e desconhecimento do
percurso a efectuar, e questionavamo-lo para onde nos estava a levar?
E o Alferes respondia que "não tinhamos que saber, que quando lá
chegássemos logo sabiamos"! Todos nós eramos militares experientes, e,
quer de noite ou de dia, conheciamos trilhos e caminhos a percorrer,
naquela densa mata, na região de S. Domingos. Mas receavamos a
aventura em que ele, sob as ordens do Capitão, nos estava a
envolver, e assim andamos Kilómetros e Kilómetros, por mata cerrada,
até que os homens cansados, e exaustos com o calor, começaram a
sentar-se e a recusar prosseguir o caminho para o destino incerto e
desconhecido para nós, e continuavam a perguntar, "para onde é que
este gajo nos leva"?
Ao ver o perigo a que nos estavamos a expor, desnecessariamente, de
imediato me solidarizei com os meus companheiros, e disse ao Alferes
que ou ele me dizia para onde íamos ou eu e o meu Pelotão voltavamos
para o quartel, tendo ele respondido que "não dizia, e que era ele
quem dava as ordens recebidas do Capitão".
Perante isto, eu e o meu companheiro furriel, assumimos a
responsabilidade de regressar ao quartel com o nosso Pelotão. Só que a
maioria dos homens do outro Pelotão, ao qual o Alferes pertencia, de
imediato lhe desobedeceu e colocou-se atrás de nós no sentido de
regressar connosco. E o Alferes, para não ficar no mato com cerca de
meia duzia de militares, seguiu-nos no regresso.
Escusado será dizer que o Alferes comunicou via rádio para o Capitão,
e quando nós chegamos ao quartel já o mesmo estava à porta do Comando,
aos berros, a esbracejar e a proferir ameaças contra mim e contra o
outro furriel.
Quem me conhece sabe que nunca fui cobarde, e se fosse necessário
arriscar a minha vida para defender a dos meus companheiros eu era o
primeiro a voluntariar-me, mas para actos de bravura ou de
aventureirismo na guerra não me perfilava.
Passados poucos dias, eu e o meu camarada furriel, fomos transferidos
para outro quartel.
Nunca me arrependi da minha decisão e não sei o que nos teria
acontecido se tivessemos prosseguido por aquele caminho desconhecido,
quando sabiamos que o PAIGC dominava toda aquela zona. Era a vida e a
integridade física de mais de 60 homens indefesos, que ali seguiam,
que estava a ser posta em causa, sem razão que o justificasse.
Devo realçar que eu era amigo do referido Alferes, e mesmo depois
deste episódio continuei a sê-lo. O que estava em causa não era a
nossa camaradagem, eram as nossas divergências na execução integral
das estratégias delimitadas pelo Capitão, que ficava sentado à
sombra, no quartel, a beber e a fumar, sem arriscar a vida dele, e
sem ter o mais infimo respeito pela vida e dignidade dos militares que
comandava.
Se até os comandos da aviação recusavam enviar os seus aviões para
aquela zona, onde do ar era possível controlar as movimentações do
PAIGC, porque teriamos de ser nós, a "tropa macaca", como nos
apelidavam, a entregar o corpo às balas e às minas?

Bernardino Parreira
Ex Furriel Mil.

Fotos: © do Bernardino Parreira da C. cav 3365 Direitos reservados:

Nota: M.Seleiro

Amigo Parreira admiro a vossa rebeldia:
E o assumir o peso dessa responsabilidade que não devia ter sido fácil.

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2 comentários:

Placido disse...

Amigo Parreira
Afinal estava a ser o principio do fim para a ditadura Portugueses.As pessoas estavam fartas de tanta miseria tanto sofrimento.
A juventude estava em rebeldia.Voces foram corajosos e a isso eu chamo valentia.Afinal meu amigo, na Guine houve valentes e voces tiveram coragem,foram valentes e destemidos.Um abraco meu amigo PT

Anónimo disse...

Agradeço aos amigos Seleiro e Plácido as palavras de compreensão.
Durante 38 anos, este acto, que para muitos pode parecer cobardia, ficou guardado na minha memória, e só agora tive coragem de falar publicamente neste assunto. Devo dizer que os homens destes 2 Pelotões eram excelentes militares e seres humanos excepcionais. E naquele dia, perante o que já contei, achei um acto de coragem a sua frontalidade de dizerem "NÃO AVANÇAMOS MAIS!" Eu e o meu camarada Furriel Santos, limitamo-nos a aceitar a decisão deles, e fui eu que dei a ordem de retirada, e de regresso ao quartel.
Afinal estavamos todos exaustos e fartos daquela maldita guerra.
De realçar que eu e o Furriel Santos fomos separados e transferidos de quartel, só nos voltamos a reencontrar na Companhia, em S. Domingos, com vista ao regresso à Metrópole, em Março de 1973. Nunca mais tinhamos falado desta ocorrência, e só há poucos dias desafiamos as nossas lembranças.
Agradeço ao amigo Seleiro a oportunidade que me deu de expressar este desabafo.

B. Parreira