(Pel Caç Nat 60 )

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 - P35: -S. Domingos a ferro e fogo










Foto de Plácido Teixeira da C. cav 3365


Mensagem do nosso camarada Plácido Teixeira da C. cav 3365 71/73 S. Domingos.
Com data de 07 01 2010

Senhor Spínola....sim, senhor!!! porque outros tempos vão longe !Mas senhor Spínola com muito respeito eu digo e escrevo o seguinte:
Muito obrigado pelas palavras que proferiu uma vez em S. Domingos, para uma Companhia abusada, e maltratada e deitada ao abandono.Lembro-me que uma vez, num horrível mês, a nossa Companhia foi um alvo, uma carreira de tiro. Sim e nós o alvo. Era bombardeamento diário. Não havia comida, não havia bebida ou até luz.
Lembro-me que andava a passar uma ronda e fomos apanhados no meio do campo de futebol. Todos saltamos do Jeep, uns para a direita, outros para a esquerda. Como fomos apanhados no meio do campo de futebol, a vala e os abrigos estava muito longe. Corri e cheguei finalmente a vala, sem arma, sem sapatos e sem óculos! Bonito para a minha defesa. Mais uma vez a ideia era sobreviver. Havia fumo por todo o lado. A maioria dos nossos amigos estava na "Tabanca"! Como tinha chovido, na vala era só lama. Não havia luz e com o fumo nada se via para fora da vala. Era até impossível por a cabeça de fora.O tiroteio do outro lado do arame era intenso.Constou que estava-mos a ser atacados com bombas de fumo e que até já tinham entrado para dentro do "quartel".
Ficámos toda a noite nos abrigos. Mesmo após o tiroteio ter parado, estava tudo cansado e desmoralizado, sabe-se lá até com que ideias. Sabia-mos que do lado de fora do arame, o ataque estava bem organizado e como tal para sobreviver não havia que dar chances ou oportunidades.
Na manhã seguinte com a luz do dia só se via destruição. Poucos foram os que se aventuraram para fora. dos abrigos. No entanto como era normal principiaram os boatos...o Jeep está destruído...o bar está acabado...ha dois mortos...há inúmeros feridos...na enfermaria só há sangue etc. etc.
Foi bombardeamento diário durante muitos dias. Era afinal S. Domingos. Era a razão pela qual a sede do Batalhão foi para lugar seguro. Foi assim o nosso pesadelo!.
Durante os ataques e certas vezes podia-se ouvir o outro lado, sabia-mos portanto que eles não
estavam longe, e que afinal eram seres humanos como nós, só que defendiam a sua terra a qual não nos pertencia. Eles tinham razão. Nós éramos invasores, era-mos seres humanos como eles, com pais e irmãos, alguns casados e com filhos Ficámos, esgotados e sem energia para sobreviver. agua não havia a não ser a da chuva, comer não havia e munições também estavam a esgotar rápido.
A lama acavou por secar e as pernas foram ficando presas como no cimento. As armas, muitas não trabalhavam de sujidade.Estava-mos deitados ao abandono e a mercê da sorte ou do destino.
Não veio ajuda... nem do ar ou de terra nem tão pouco por agua.Esperava-mos somente ajuda, mas do Céu. Mais um dia e seria-mos todos mortos ou prisioneiros tal foi essa semana maldita
Os aviões não podiam vir, pois eles estavam tão perto, corria-mos o risco de ser também feridos ou mortos.Helicópteros não vinham mandar mantimentos, medicamentos e o necessário, pois seriam alvejados...estes foram os boatos!.
Finalmente ao fim de uma semana, fomos ajudados. Talvez tenha sido por Deus...Como ratos saímos das valas. A cara estava amarela, a barba enorme a roupa rasgadas, e avia lama por todo o lado e até ao cabelo.
O choque final foi saber quem ficou ferido, quem morreu etc.
Ficou tudo destruído. Gerador, frigoríficos, fogões até as panelas ficaram como um assador de castanhas! Agua nao havia. Passámos a beber água amarela dos possos da tabanca. Estava-mos portanto sujeitos a malária etc.
Era uma companhia desmoralizada, sem energia sem sono! Uns choravam com o stress de Guerra, outros nao falavam, outros ficaram sem o sorriso da juventude.
Finalmente um dia um helicóptero!
Foi tudo reunido para ouvir o Governador da Guiné.Senhor Spínola eu agradeço imenso e esteja onde estiver, esteja em paz, como em paz nos deixou!
Agradeço as palavras, não de um general mas palavras de um amigo, palavras de reconhecimento.
Agradeço ter compreendido estes jovens que foram deichados a mercê das armas e da sorte.
Senhor Spínola...muito e muito obrigado por ter dito a todos nós, em frente do Comandante da Companhia que…a culpa não foi nossa, que aculpa foi do vosso Comandante que deixou que o vosso quartel fosse uma carreira de tiro!.
Resta-me portanto dizer que fomos bombardeados diariamente, que sofremos porque gente sem escrúpulos , sem dignidade,gente agarrada as ideias fascistas e de poder, orgulhosos de uma farda e de peso nos ombros famintos por medalhas ao peito, nunca pediu ajuda.! Esse Comandante nao teve dignidade humana...
Senhor Spínola, muito obrigado é verdade...aquele senhor desumano, realmente deixou fazer do nosso quartel uma carreira de tiro, onde todos nós fomos o alvo.Bem-haja.
Fotos: © Plácido Teixeira, direitos reservados .

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2 comentários:

Anónimo disse...

Em primeiro lugar saúdo o camarada Seleiro por abrir o seu Blogue a todos os ex-combatentes da Guerra Colonial que estiveram em S. Domingos. Pelo que tenho visto já reune testemunhos de camaradas que passaram por S. Domingos desde 1968 até 1973.
Envio também uma saudação especial ao meu camarada e amigo Plácido Teixeira, com quem partilhei bons e maus momentos, desde Estremoz até S. Domingos. Ambos integramos a Companhia 3365, do BCAV 3846. Chegamos a S. Domingos em 13/05/1971 e regressamos à Metrópole em 17/03/1973.
Foi com profunda emoção que li o testemunho do amigo Plácido. Foi arrepiante lembrar-me dos ataques que sofremos no aquartelamento, das emboscadas, das minas, de tudo de má memória. Sei que não foi fácil para ele desenterrar estas memórias do passado que há 37 anos tenta esquecer. Sei que ele e os outros companheiros muito mais terão para contar. Mas é muito doloroso recordar os camaradas que morreram, os que ficaram mutilados, ou gravemente feridos. Só quem passou por S. Domingos sabe o que foi a pressão de se sentir cercado por arame farpado,rodeado por densa floresta, num aquartelamento a cerca de 5 Km do Senegal, e a todo o momento exposto a bombardeamentos do PAIGC que tinha Bases no outro lado da fronteira. Eu, porque estive algum tempo no Bachile em rendição individual, e porque lá a guerra não era tão violenta, não sofri tanto os efeitos da guerra que os meus camaradas de Companhia, que estiveram sempre em S. Domingos, sofreram. Quando em Fevereiro de 1973 regressei a S. Domingos para me juntar ao Batalhão com vista ao regresso à Metrópole, fui encontrar os meus camaradas exaustos, e uma destruição enorme nas instalações do Quartel. Posso confessar que passei a dormir nos abrigos com medo de ser morto, nalgum ataque. Ainda sofremos bombardeamentos nos dias que antecederam a partida para a Metrópole.
Não me recordo qual a Companhia que nos foi render, mas seria interessante que algum camarada dessa Companhia desse continuidade na narração de alguns episódios da história da Guerra Colonial em S. Domingos, desde a nossa partida em Março de 1973 até 25/04/1974.

Um abraço fraterno
Bernardino Parreira

Placido disse...

Amigo Parreira, meu amigo foi assim a vida. Afinal hoje e um passado que nos vem a memoria. Ironico e que quando nos lembramos, veem a memoria nao so os maus como os bons momentos. A amizade do povo nativo!! A alegria da nossa gente que tanto tempo estivemos juntos como familia, etc. Meu amigo obrigado.