terça-feira, 30 de março de 2010
Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P67: Deus escreve direito por linhas tortas, e livrou-me do Inferno deS. Domingos.
Mensagem do Ex Fur Mil Bernardino Parreira da C. cav 3365 S. Domingos.
71/73:
Com data de 30-03-2010
Deus escreve direito por linhas tortas, e livrou-me do Inferno deS. Domingos.
Já não sei ao fim de quanto tempo de permanência na Guiné, tinhamos
direito a gozar férias, só sei que tinha férias marcadas para vir à
Metrópole, suponho que para o início de 1972, quando recebi ordem para
partir em rendição individual para Guidage. Nunca cheguei a saber ao
certo se aquilo fora obra do acaso ou por "castigo". De subito senti
tristeza, porque iria separar-me dos meus companheiros e amigos, com
quem estava desde Janeiro de 1971, quando formamos Batalhão em
Estremoz. Despedi-me da malta que me foi possivel contactar e lá parti
para Bissau. Alguns fizeram questão de me fazer percorrer as ruas de
S. Domingos, em cima de um Unimog, para me despedir da população das
Tabancas que frequentava, onde tinha muitos amigos, e sensiblizou-me a
despedida comovente e afectuosa em que me envolveram.
Chegado a Bissau deveria ter-me dirigido ao Quartel General, com vista
a levantar as guias para a minha apresentação em Guidage, mas, mais
uma vez, quis Deus que eu fosse primeiro almoçar a um restaurante,
onde encontrei um amigo do Algarve, que tinha estado comigo na tropa
em Tavira, e que em Bissau estava nos Serviços Administrativos do
Quartel da Amura. Logo me perguntou o que estava eu ali a fazer, e eu
disse-lhe que tinha férias marcadas mas que me tinham lixado e mandado
para Guidage, ao que ele me alertou que depois das férias marcadas
ninguém tinha competência para as anular a não ser por motivo de força
maior, justificado superiormente, e perguntou-me se eu tinha comigo a
autorização das férias e de facto eu tinha. Depois ele ensinou-me
quais os documentos que eu deveria preencher nos Serviços
Administrativos do Quartel General, e assim o fiz.
Sem nunca me apresentar no Quartel, não fossem eles apanhar-me, andei
2 ou 3 dias por Bissau, a dormir numa pensão, até obter o bilhete de
avião que me transportasse para a Metrópole.
Mas a melhor estava para vir, estava eu no avião, já tinha encontrado
um camarada de Lisboa, e o Vagomestre, que estavam comigo em S.
Domingos e que também vinham de férias, quando vejo entrar o Sr.
"Pepino" que com os "bonitos" modos dele me pergunta "o que é que
fazes aqui?" e eu respondi-lhe "o mesmo que o meu primeiro..." e ele
interroga-me novamente "então não eras para estar em Guidage?" E eu
respondi-lhe " ...se assim fosse não estava aqui...", eu, com a minha
calma, e uma cara de gozo que se pode imaginar, e os outros, que
também não o gramavam, a rir também, o fulano até mudou de cor, e não
lhe cheguei a dizer como tinha dado a volta à situação.
Ao lembrar-me desta história, passados 38 anos, recordo-me do
camarada de Lisboa, de quem não me lembro o nome, que dado a hora
tardia a que o avião chegou, de noite, e eu não ter transporte para o
Algarve, me convidou para dormir em sua casa, na Cruz Quebrada, em
Lisboa, onde ele e a família me trataram muito bem, e eu fiquei-lhe
eternamente grato, se não tinha que andar de mala na mão, às tantas da
noite, à procura de Pensão em Lisboa.
Estive um mês no Algarve, gozei o máximo que pude, e depois regressei
a S. Domingos, mas, como o meu destino estava traçado, não foi daquela
vez foi de outra, lá fui para uma Companhia Africana, mas desta vez
para o Bachile, para a C. Caç. 16.
Ao deixar o inferno de S. Domingos, dei graças a Deus porque a minha
vida na Guiné mudou para melhor, deixei de estar sob bombardeamentos
massivos do PAIGC, vindos do Senegal, mas até no Bachile se ouviam os
ataques a S. Domingos e eu sabia quando os meus amigos e
companheiros estavam a ser flagelados, e sofria com isso.
Frequentemente recebia más notícias, de mortes e feridos em S.
Domingos, porque quando fazia escoltas a Teixeira Pinto, e mesmo no
Bachile, às vezes, encontrava camaradas de S. Domingos que estavam de
passagem.
No Bachile, com a mata da Caboiana próxima, considerada "uma das
residencias" do PAIGC, a Guerra não era fácil, mas como eu tinha vindo
de um autentico inferno, achei que tinha chegado a um "cantinho do
Céu"...!
Muitos dos militares da Companhia Africana, a que passei a pertencer,
tinham familiares do outro lado da guerra, e a maior parte deles
estavam na Guerra Colonial obrigados, tal como nós, só sei dizer que
fiz lá muitas amizades, de que sinto saudades, eu convivia com os meus
camaradas e amigos quer no Quartel quer fora dali, em jogos de futebol
e petiscos, e frequentava até as suas casas, no Pelundo, em Teixeira
Pinto, e noutras povoações vizinhas, onde residiam, e ainda hoje
considero os militares da C. Caç 16, brancos e africanos, meus
camaradas, meus irmãos, meus amigos, tal como sempre considerei os da
C CAV 3365.
Aqui envio uma fotografia do quarto que deixei em S. Domingos, em
Fevereiro/Março de 1972, e para onde voltei cerca de 1 mês antes do
embarque de regresso à Metrópole em Março de 1973, porque nessa altura
muito poucos se atreviam a dormir nas casernas.
Bernardino Parreira
Ex-Furriel Mil.
Nota: M. Seleiro
Ó Parreira o Pepino, era tramado. Não era?
Estava sempre onde não devia estar!
Fotos © 2010 do Ex Fur Mil Parreira direitos reservados.
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71/73:
Com data de 30-03-2010
Deus escreve direito por linhas tortas, e livrou-me do Inferno deS. Domingos.
Já não sei ao fim de quanto tempo de permanência na Guiné, tinhamos
direito a gozar férias, só sei que tinha férias marcadas para vir à
Metrópole, suponho que para o início de 1972, quando recebi ordem para
partir em rendição individual para Guidage. Nunca cheguei a saber ao
certo se aquilo fora obra do acaso ou por "castigo". De subito senti
tristeza, porque iria separar-me dos meus companheiros e amigos, com
quem estava desde Janeiro de 1971, quando formamos Batalhão em
Estremoz. Despedi-me da malta que me foi possivel contactar e lá parti
para Bissau. Alguns fizeram questão de me fazer percorrer as ruas de
S. Domingos, em cima de um Unimog, para me despedir da população das
Tabancas que frequentava, onde tinha muitos amigos, e sensiblizou-me a
despedida comovente e afectuosa em que me envolveram.
Chegado a Bissau deveria ter-me dirigido ao Quartel General, com vista
a levantar as guias para a minha apresentação em Guidage, mas, mais
uma vez, quis Deus que eu fosse primeiro almoçar a um restaurante,
onde encontrei um amigo do Algarve, que tinha estado comigo na tropa
em Tavira, e que em Bissau estava nos Serviços Administrativos do
Quartel da Amura. Logo me perguntou o que estava eu ali a fazer, e eu
disse-lhe que tinha férias marcadas mas que me tinham lixado e mandado
para Guidage, ao que ele me alertou que depois das férias marcadas
ninguém tinha competência para as anular a não ser por motivo de força
maior, justificado superiormente, e perguntou-me se eu tinha comigo a
autorização das férias e de facto eu tinha. Depois ele ensinou-me
quais os documentos que eu deveria preencher nos Serviços
Administrativos do Quartel General, e assim o fiz.
Sem nunca me apresentar no Quartel, não fossem eles apanhar-me, andei
2 ou 3 dias por Bissau, a dormir numa pensão, até obter o bilhete de
avião que me transportasse para a Metrópole.
Mas a melhor estava para vir, estava eu no avião, já tinha encontrado
um camarada de Lisboa, e o Vagomestre, que estavam comigo em S.
Domingos e que também vinham de férias, quando vejo entrar o Sr.
"Pepino" que com os "bonitos" modos dele me pergunta "o que é que
fazes aqui?" e eu respondi-lhe "o mesmo que o meu primeiro..." e ele
interroga-me novamente "então não eras para estar em Guidage?" E eu
respondi-lhe " ...se assim fosse não estava aqui...", eu, com a minha
calma, e uma cara de gozo que se pode imaginar, e os outros, que
também não o gramavam, a rir também, o fulano até mudou de cor, e não
lhe cheguei a dizer como tinha dado a volta à situação.
Ao lembrar-me desta história, passados 38 anos, recordo-me do
camarada de Lisboa, de quem não me lembro o nome, que dado a hora
tardia a que o avião chegou, de noite, e eu não ter transporte para o
Algarve, me convidou para dormir em sua casa, na Cruz Quebrada, em
Lisboa, onde ele e a família me trataram muito bem, e eu fiquei-lhe
eternamente grato, se não tinha que andar de mala na mão, às tantas da
noite, à procura de Pensão em Lisboa.
Estive um mês no Algarve, gozei o máximo que pude, e depois regressei
a S. Domingos, mas, como o meu destino estava traçado, não foi daquela
vez foi de outra, lá fui para uma Companhia Africana, mas desta vez
para o Bachile, para a C. Caç. 16.
Ao deixar o inferno de S. Domingos, dei graças a Deus porque a minha
vida na Guiné mudou para melhor, deixei de estar sob bombardeamentos
massivos do PAIGC, vindos do Senegal, mas até no Bachile se ouviam os
ataques a S. Domingos e eu sabia quando os meus amigos e
companheiros estavam a ser flagelados, e sofria com isso.
Frequentemente recebia más notícias, de mortes e feridos em S.
Domingos, porque quando fazia escoltas a Teixeira Pinto, e mesmo no
Bachile, às vezes, encontrava camaradas de S. Domingos que estavam de
passagem.
No Bachile, com a mata da Caboiana próxima, considerada "uma das
residencias" do PAIGC, a Guerra não era fácil, mas como eu tinha vindo
de um autentico inferno, achei que tinha chegado a um "cantinho do
Céu"...!
Muitos dos militares da Companhia Africana, a que passei a pertencer,
tinham familiares do outro lado da guerra, e a maior parte deles
estavam na Guerra Colonial obrigados, tal como nós, só sei dizer que
fiz lá muitas amizades, de que sinto saudades, eu convivia com os meus
camaradas e amigos quer no Quartel quer fora dali, em jogos de futebol
e petiscos, e frequentava até as suas casas, no Pelundo, em Teixeira
Pinto, e noutras povoações vizinhas, onde residiam, e ainda hoje
considero os militares da C. Caç 16, brancos e africanos, meus
camaradas, meus irmãos, meus amigos, tal como sempre considerei os da
C CAV 3365.
Aqui envio uma fotografia do quarto que deixei em S. Domingos, em
Fevereiro/Março de 1972, e para onde voltei cerca de 1 mês antes do
embarque de regresso à Metrópole em Março de 1973, porque nessa altura
muito poucos se atreviam a dormir nas casernas.
Bernardino Parreira
Ex-Furriel Mil.
Nota: M. Seleiro
Ó Parreira o Pepino, era tramado. Não era?
Estava sempre onde não devia estar!
Fotos © 2010 do Ex Fur Mil Parreira direitos reservados.
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3 comentários:
Caro amigo Seleiro, como lhe disse em anteriores comentários, eu, tal como a maioria dos ex-combatentes da guerra colonial, fui para a guerra obrigado, e nunca senti que ía defender nem a pátria nem a bandeira, nunca procurei medalhas nem nunca pratiquei actos de heroísmo. Nos milhares de Kilometros que palmilhei, de dia e de noite, nas matas da região de S. Domingos nunca vi um rosto que se pudesse apelidar que era do IN (PAIGC).
Sofremos emboscadas mas não se via o que apelidavam de "Inimigo", só sentiamos que as balas nos caíam perto, e alguns companheiros eram mesmo atingidos, outros caíam em "fornilhos", ou em minas.
Quando o nosso quartel era atacado com armas pesadas, apesar de ser a poucos Kilometros de distancia, o IN era, também, "invisível".
Eu sentia que ali os guineenses estavam na terra deles e defendiam-se de nós, que eramos os invasores, por isso limitei-me a defender a minha vida e a dos meus camaradas.
Nós eramos uns "pobres coitados", tal como os guineenses, naquela maldita guerra, por isso eu não podia admitir que houvesse "Chicos", com a mania de espertos, que, apesar de toda a miséria e desgraça em que estavamos envolvidos, elevavam a superioridade e o militarismo acima de tudo, que só estavam ali para lixar o parceiro.
Depois da minha "transferência" para o Bachile, passava ainda mais dias e mais noites no mato na companhia africana, e aí também não vi qualquer rosto "inimigo", apesar de termos sofrido ataques e emboscadas.
E nos momentos livres, davamos largas à amizade e à confraternização. Mas aqui não havia "Chicos espertos..."!
Regressei em Março de 1973, com a minha consciência muito tranquila, e uma grande saudade dos Felupes e dos Manjacos.
Um grande abraço e o meu muito obrigado pela oportunidade que me tem dado de expressar os meus sentimentos.
B. Parreira
Amigo Parreira estou dacordo com a descrição que faz dos militares africanos.
Parreira sabe tão bem como éu que havia muita jemte, candidatos a hiróis...
Eu tambémnão vi nenhum guerrilheiro do (PAIGC)...
Diz a história que mais vale um cobarde vivo, que um herói morto.
Um abraço, Parreira.
Manuel Seleiro
Meu amigo Parreira.
Nada melhor do que o teu texto, pode explicar a situacao em que estivemos metidos.Parece ate impossivel que no meio do sofrimento houvesse odio.Infelizmente isso aconteceu mas nos tudo soubemos combater.Afinal nos era-mos combatentes!! Um abraco
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