(Pel Caç Nat 60 )

terça-feira, 30 de março de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P67: Deus escreve direito por linhas tortas, e livrou-me do Inferno deS. Domingos.

Mensagem do Ex Fur Mil Bernardino Parreira da C. cav 3365 S. Domingos.
71/73:
Com data de 30-03-2010




Deus escreve direito por linhas tortas, e livrou-me do Inferno deS. Domingos.


Já não sei ao fim de quanto tempo de permanência na Guiné, tinhamos
direito a gozar férias, só sei que tinha férias marcadas para vir à
Metrópole, suponho que para o início de 1972, quando recebi ordem para
partir em rendição individual para Guidage. Nunca cheguei a saber ao
certo se aquilo fora obra do acaso ou por "castigo". De subito senti
tristeza, porque iria separar-me dos meus companheiros e amigos, com
quem estava desde Janeiro de 1971, quando formamos Batalhão em
Estremoz. Despedi-me da malta que me foi possivel contactar e lá parti
para Bissau. Alguns fizeram questão de me fazer percorrer as ruas de
S. Domingos, em cima de um Unimog, para me despedir da população das
Tabancas que frequentava, onde tinha muitos amigos, e sensiblizou-me a
despedida comovente e afectuosa em que me envolveram.
Chegado a Bissau deveria ter-me dirigido ao Quartel General, com vista
a levantar as guias para a minha apresentação em Guidage, mas, mais
uma vez, quis Deus que eu fosse primeiro almoçar a um restaurante,
onde encontrei um amigo do Algarve, que tinha estado comigo na tropa
em Tavira, e que em Bissau estava nos Serviços Administrativos do
Quartel da Amura. Logo me perguntou o que estava eu ali a fazer, e eu
disse-lhe que tinha férias marcadas mas que me tinham lixado e mandado
para Guidage, ao que ele me alertou que depois das férias marcadas
ninguém tinha competência para as anular a não ser por motivo de força
maior, justificado superiormente, e perguntou-me se eu tinha comigo a
autorização das férias e de facto eu tinha. Depois ele ensinou-me
quais os documentos que eu deveria preencher nos Serviços
Administrativos do Quartel General, e assim o fiz.
Sem nunca me apresentar no Quartel, não fossem eles apanhar-me, andei
2 ou 3 dias por Bissau, a dormir numa pensão, até obter o bilhete de
avião que me transportasse para a Metrópole.
Mas a melhor estava para vir, estava eu no avião, já tinha encontrado
um camarada de Lisboa, e o Vagomestre, que estavam comigo em S.
Domingos e que também vinham de férias, quando vejo entrar o Sr.
"Pepino" que com os "bonitos" modos dele me pergunta "o que é que
fazes aqui?" e eu respondi-lhe "o mesmo que o meu primeiro..." e ele
interroga-me novamente "então não eras para estar em Guidage?" E eu
respondi-lhe " ...se assim fosse não estava aqui...", eu, com a minha
calma, e uma cara de gozo que se pode imaginar, e os outros, que
também não o gramavam, a rir também, o fulano até mudou de cor, e não
lhe cheguei a dizer como tinha dado a volta à situação.
Ao lembrar-me desta história, passados 38 anos, recordo-me do
camarada de Lisboa, de quem não me lembro o nome, que dado a hora
tardia a que o avião chegou, de noite, e eu não ter transporte para o
Algarve, me convidou para dormir em sua casa, na Cruz Quebrada, em
Lisboa, onde ele e a família me trataram muito bem, e eu fiquei-lhe
eternamente grato, se não tinha que andar de mala na mão, às tantas da
noite, à procura de Pensão em Lisboa.
Estive um mês no Algarve, gozei o máximo que pude, e depois regressei
a S. Domingos, mas, como o meu destino estava traçado, não foi daquela
vez foi de outra, lá fui para uma Companhia Africana, mas desta vez
para o Bachile, para a C. Caç. 16.
Ao deixar o inferno de S. Domingos, dei graças a Deus porque a minha
vida na Guiné mudou para melhor, deixei de estar sob bombardeamentos
massivos do PAIGC, vindos do Senegal, mas até no Bachile se ouviam os
ataques a S. Domingos e eu sabia quando os meus amigos e
companheiros estavam a ser flagelados, e sofria com isso.
Frequentemente recebia más notícias, de mortes e feridos em S.
Domingos, porque quando fazia escoltas a Teixeira Pinto, e mesmo no
Bachile, às vezes, encontrava camaradas de S. Domingos que estavam de
passagem.
No Bachile, com a mata da Caboiana próxima, considerada "uma das
residencias" do PAIGC, a Guerra não era fácil, mas como eu tinha vindo
de um autentico inferno, achei que tinha chegado a um "cantinho do
Céu"...!
Muitos dos militares da Companhia Africana, a que passei a pertencer,
tinham familiares do outro lado da guerra, e a maior parte deles
estavam na Guerra Colonial obrigados, tal como nós, só sei dizer que
fiz lá muitas amizades, de que sinto saudades, eu convivia com os meus
camaradas e amigos quer no Quartel quer fora dali, em jogos de futebol
e petiscos, e frequentava até as suas casas, no Pelundo, em Teixeira
Pinto, e noutras povoações vizinhas, onde residiam, e ainda hoje
considero os militares da C. Caç 16, brancos e africanos, meus
camaradas, meus irmãos, meus amigos, tal como sempre considerei os da
C CAV 3365.

Aqui envio uma fotografia do quarto que deixei em S. Domingos, em
Fevereiro/Março de 1972, e para onde voltei cerca de 1 mês antes do
embarque de regresso à Metrópole em Março de 1973, porque nessa altura
muito poucos se atreviam a dormir nas casernas.

Bernardino Parreira
Ex-Furriel Mil.

Nota: M. Seleiro
Ó Parreira o Pepino, era tramado. Não era?
Estava sempre onde não devia estar!

Fotos © 2010 do Ex Fur Mil Parreira direitos reservados.

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segunda-feira, 22 de março de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P66: Poesia Agostinho Neto (ANGOLA) ,Sagrada Esperança

Voz do sangue

Palpitam-me

Os sons do batuque

E os ritmos melancólicos do blue

Ó negro esfarrapado do Harlem

Ó dançarino de Chicago

Ó negro servidor do South

Ó negro de África

Negros de todo o mundo

Eu junto ao vosso canto

A minha pobre voz

Os meus humildes ritmos.

Eu vos acompanho

Pelas emaranhadas áfricas

Do nosso Rumo

Eu vos sinto

Negros de todo o mundo

Eu vivo a vossa Dor

Meus irmãos.

Agostinho Neto (Angola), Sagrada Esperança

sexta-feira, 19 de março de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P65: Viagem Virtual a Guiné-Bissau.

Viagem virtual a Guiné-Bissau.
Clique aqui.

Superfície : 36 120 km²
População : 1 472 780 habitantes
Densidade : 48 hab./km²
Capital : Bissau, habitada por 388 028
Língua Oficial : Português
Línguas Nacionais : Crioulo Guineense (língua falada pela maioria), Balanta, Fula, Manjaco, Mandinga, Pepel e outras.
Religiões : Animismo/Crenças Indígenas (50%)
Islamismo (45%)
Cristianismo (5%)
Moeda : Franco CFA (da Comunidade Financeira Africana)
Data da Independência: 24 de Setembro de 1973
IDH (2006) : lugar 173 entre 177 países
PIB (2005): lugar 174 entre 180 países
(800 $US/ano, por habitante)

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segunda-feira, 15 de março de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P64: Os morteiros Cantaram!




Mensagem do Plácido Teixeira da C. CAV 3365 S. Domingos 71/73.
Com data de hoje 15-03-2010:
A Viver nos Estados Unidos.

Boston,




OS MORTEIROS CANTARAM




Cantaram um dia em que todos nos andavamos despreocupados. Por sermos ainda novos na Guine, pensavamos que afinal os nossos amigos inimigos, nao queriam nada connosco.
Estavamos todos sentados, uns a beber umas cervejas mal frescas, outros a volta do pequeno radio a pilhas, a ouvir a Miss Portugal outros a ouvir o Rod Stewart a cantar Someoone like you.....
De repente, um grande estrondo.!!
A confusao foi total devido a falta de orientacao. A desorientacao foi incrivel para um lugar de perigo.
Uns corriam para a esquerda outros para a direita .Finalmente decidimos ir para o abrigo do morteiro, que era o mais perto mesmo por traz da cozinha.
Tal foi a desorganizacao, todos andavam a correr sem saber que que fazer e para onde ir..para se defender.
O capitao, arrogante , ignorante e sem qualidades de comandar, com muito ma atitude, deixou que todos estivessemos desorganizados, desprevenidos e descontrolados.. Alem de um fraco profissional, nunca teve inteligencia para organizar a defesa, antes que tivesse acontecido um ataque. Sei que nesse primeiro ataque, os Morteiros cantaram!! Nao posso compreender que defesa esses morteiros, possam ter dado, para alem do barulho que faziam! Sempre pensei que estavamos desprotegidos e entregues ao destino,afinal nao me enganei concerteza..Havia de certeza a mao de D.s por cima de todos nos. Nao havia valentia, havia coragem,odio, desespero e ate lagrimas.Havia o medo que se transformou em Fe! .Afinal nunca juramos pela Patria, nao se jura com a boca fechada , ou amordacada. Nao se jura pela Patria quando somos obrigados a fazer o que nao queremos Se havia falta de Liberdade de expressao, quando nos diziam para calar a boca, como podiamos nos jurar defender a pela Patria, quando afinal nos era-mos os invasores? Esperavam eles que fosse mos o Salvador da Patria quando fomos deitados ao abandono, enviados para o desterro como criminais? Nao nao e assim!Quando debaixo de ataques,vi pessoas agarradas as cruzes que tinham ao peito e pedir a D.s.!! Ouvi chamar pela mae e por Nossa Senhora!!

Infelizmente, tivemos a primeira vitima!.
Nao pelo fogo, este amigo morreu devido a desorganizacao e bandalheira .O Capitao, tinha a Companhia totalmente desorganizada a deriva como um barco sem destino.. O nosso amigo foi apanhado em lugar nao seguro e foi ferido. Para ser tratado depois do ataque, foi a enfermaria, Como os fios electricos tinham sido cortados pelos rebentamentos, ficou tudo escuro e o nosso amigo teve o azar de trepar nos fios electricos. Infelizmente nada se pode fazer. Podia ter sido qualquer um de nos!
Era Alentejano, boa pessoa e foi a nossa primeira vitima. Jamais esqueceremos.

Fotos © do Plácido Teixeira, 2010 direitos reservados:

Nota: M. Seleiro

O Plácido escreveu:
O morteiro estáva atráz do refeitório, em princípio esse morteiro foi colocado aí em Dezembro de 69 pelo pelotão de caçadores nativos 60...
Um abraço amigos

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Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P63: Almoço convívio do Batalhão de Cavalaria (3846)

Mensagem do Bernardino Parreira da C. cav 3365 S. Domingos 71 /73:



Realizou-se no dia 14 de Março o almoço/convivio comemorativo do 37º. aniversário do regresso do Batalhão 3846, C.CAV. 3364; 3365;3366 e Companhia Independente.
Devo dizer que estive presente e vivi momentos de grande alegria ao reencontrar amigos e companheiros que não via há 37 anos, desde o nosso regresso de S. Domingos - Guiné.
Mas também de grande tristeza por ter tido conhecimento que alguns camaradas que julgava vivos já não pertencem a este mundo, e que outros se encontram doentes.
Foi com grande emoção que os meus companheiros da Cav. 3365 receberam a mensagem e o contacto do amigo e companheiro Plácido Teixeira. Alguns ficaram de visitar o Blogue da C. Caç 60.
Em nome dos companheiros da C. CAV.3365, presentes no citado convivio, envio um saudoso abraço ao amigo Plácido e um Bem Haja por manter bem vivo o espirito da Companhia os Quixotes.
Aproveito para agradecer ao Amigo Seleiro, autor e editor deste Blog, a oportunidade que nos tem dado de manifestarmos as nossas memórias e sentimentos.
Um abraço
B. Parreira

Nota: M. Seleiro
Caro Parreira:
A proveito o comentário ao post 60 do Plácido Teixeira:
Para enviar um abraço a todos os camaradas do Batalhão de Cavalaria 3846.
Afinal cruzámos os mesmos caminhos.
O Pel CaçNat 60, põe ao vosso despor o blogue para qualquer comentário, ou futuros anúcios do convívio do vosso Batalhão.

Manuel Seleiro
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sexta-feira, 12 de março de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P62: Fragmentos da vida

Mensagem do Plácido Teixeira da C. cav 3365 S. Domingos 71/73:

Com data de 11 de Março de 2010

A viver nos Estados Unidos:

Boston,








Fragmentos da vida




Lembro-me ainda dos dias em que ia e vinha da escola .A saudade que

tenho, quando de manha a minha mae me chamava.
Levantava-me entao com o frio de Tras os Montes. Vestia-me e

sentava-me a mesa para tomar o pequeno almoco. Tenho saudades dos

carinhos da minha mae, do amor que meu pai me dava. Lembro-me com

tristeza dos amigos de Liceu, que nunca mais encontrei. Lembro

eternamente com saudade as amigas e amigos de escola, dos dias de

sol, do nevoeiro nas altas montanhas. Lembro a minha terra, a minha

escola, as ruas onde passei e os campos das minhas bricadeiras. Quando

com o meu cao, ia apanhar grilos.
Lembro esse tempo com saudade, com ternura e tristeza. Disse, um

dia, adeus a tudo o que me viu crescer. A minha casa, os vizinhos, o

meu cao e ate o Ceu frio de Tras os Montes. A Escola primaria da

Estacao o velho Liceu, os Correios onde eu depositava as cartas das

namoradas ou amigas de Escola.
Um dia parti e chorei. Tive saudades..Para tras ficaram os dias frios

Transmontanos, o amor eterno da minha mae, o cantar nas arvores dos

passaros livres. Das borboletas que voavam de flor em flor. Parti fui

para a tropa. .
Fui para o Ultramar e sobrevivi. Passei maus bocados. Tive dor,

tristeza e saudade, mas resisti. Enfrentei maus pensamentos, invejas e

tirania. Mas venci. Regressei do Ultramar. Depois foram os Correios e a

Caixa. Portugal era um Pais sem futuro, eu queria Liberdade, Liberdade

onde eu pudesse seguir a minha Fe e os meus ideais. Foi novamente a

Escola para um futuro em frente. Nos Estados Unidos da America, fiz a

minha nova terra sem esquecer Portugal. Apanhei do chao, todas as

migalhas da vida, pu-las aos meus ombros e fui em frente!
Os Hebreus, tiveram sempre com eles as tabuas partidas da lei que D.s

deu a Moises .Carregaram os pedacos bem como as novas que D.s deu a

Moshe depois de ele ter atirado para o chao e partido, quando desceu e

viu os Hebreus a adorar a vaca de ouro. Carregaram-nas e andaram pelo

deserto. Como eles segui em frente, Hebreu filho de Avraham, carregando

comigo os fragmentos da vida, o bom e o mau. Procurando a minha terra

prometida. D.s deu-me os meus filhos. A eles passo a

responsabilidade de seguir a minha fe, carregar aos ombros os problemas

, os fragmentos da vida. Nao desesperar, mas ter coragem e seguir em

frente. Enfrentar quem nos confronta , insulta e quer mal!! Ter

coragem e orgulho do sangue que corre nas veias. Respeitar os outros,

amar os indefesos, matar a fome a quem tem fome, ajudar os idosos,

tratar com dignidade quem nao se sabe exprimir e ajudar a quem pede

ajuda. Ser persistente e ter coragem. No deserto incognito da vida,

eu afinal tambem tive a minha jornada. Europa, Africa e America. Valeu

a pena? Tudo vale a pena se a alma nao e pequena!! Placido

Nota:
do M. Seleiro.

Caro Plácido:
Fasso referéncia ao teu pedido para puvlicar junto com o texto, um

vídio sobre (Religião):
Uma vez que a temática do blogue, foi a guerra na Guiné...
Para evitar futuras reacções adversas e alguma polémica achei por bem

não publicar o vídio.
Um abraço,



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quarta-feira, 10 de março de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P61: Aquele dia, (Dez de Março de 70!)



[Guiné]


Decorria então o Ano de 1970 na Guiné.

O primeiro cabo Seleiro a porta da habitação, cinco dias antes do acidente.
Quartel de S. Domingos.

Sector Militar, de São Domingos:
Algures nas matas da Guiné, junto a fronteira do Senegal.
Destacamento de São Domingos, sete trinta da manhã o pelotão de caçadores Pel Caç Nat 60.
Sai com destino, a fronteira do Senegal objectivo pintar os marcos que faziam a divisão da fronteira Guiné/Senegal...
As dez e meia da manhã volvidos os primeiros vinte quilómetros já em plena mata há uma chamada de atenção, alguma coisa se passa.

Os Homens paçam a palavra até chegarem a minha secção.
Sou informado que na frente, foi detectada uma mina anti-pessoal os Homens ficam nervosos.
Quando cheguei ao local da mina, o Alf Mil Hugo Guerra, informa que vai tentar levantar a mina, Decorridos alguns minutos pergunto ao Alf Mil Hugo Guerra como iam as coisas o que ele me responde que estava nervoso.
O Alf Mil Hugo Guerra da a ordem para que a mina seja desactivada.
Tomei o lugar dele junto da mina.
Procede-se a segurança do local para que as coisas decorram sem incidentes.
Mando afastar os Homens a uma distância razoável, processo que requer muita atenção.
Procede-se a desminagem do local, o momento de muita tensão...
O passo seguinte é desmontar o sistema da mina, que é constituido por a Dinamite, o
detonador este o mais perigoso que requer particular cuidado...
O inevitável aconteceu, a mina estava armadilhada e explode, gritos, confusão, leva algum tempo até os Homens se recomporem.

Esta fotos foram tiradas junto a porta da arrecadação do velho quartel de S. Domingos.
A foto mostra as três minas em situações diferentes.
A primeira está fechada e pronta a ser acionada.
A segunda está aberta, vê-se a dinamite e o mecanismo.
A terceira está aberta vê-se todo o mecanismo desmontado.


No momento tudo ficou em silêncio depois as vozes de algums soldados Que se aproximavam.
Senti umas mãos que me seguravam, era o enfermeiro José Augusto, que me prestava os primeiros socorros, colocava os garrotes para parar as hemorragias, o soro e uma injecção para as dores.
Alguns homens preparavam uma maca, com as camisas e uns paus para me transportar, fizeram cinco quilómetros comigo através da mata serrada.
O Alf Mil Hugo Guerra sai ferido com alguma gravidade…
Como estava relativamente perto de mim foi atingido por estilhaços.



Na foto acima está o Ex Alf Mil Hugo Guerra e o primeiro cabo Seleiro.


Pelo Rádio foi pedido ao quartel de São Domingos para mandarem viaturas ao nosso encontro para chegar mais rápido apista onde deveria estar uma avioneta a espera.
Assim foi quando chegamos a pista já lá estava avioneta, fui entregue á enfermeira Pára-quedista, (quero aqui prestar a minha homenagem a estas Mulheres, em particular a enfermeira Ivone).
Estas Mulheres muitas vezes corriam o risco quando tinham de socorrer os feridos em pleno combate...
Meia hora depois chegam a Base Aéria e fui levado para o Hospital Militar de Bissau.
Já no hospital, foram feitas as primeiras intervenções cirúrgicas, provavelmente devido as anestesias perdi a noção do tempo, e do local onde me encontrava.
Num momento de lucidez ouvi passos, que se aproximavam perguntei:
Onde me encontrava, foi me dito que estava no hospital de Bissau, perguntei quando ia para Lisboa: a resposta foi amanhã.
No dia seguinte pela manhã, tive a visita do Governador da Guiné o General António de Spínola.
Que deixou palávras de consolo e rápidas melhoras, e um elogio pelo dever de servir a Pátria...
Nesse mesmo dia a noite saí da Guiné no avião Militar.
Cheguei a Lisboa no dia treze de Março por volta das cinco da manhã caía uma chuva miudinha.
As macas eram muitas pois este avião Militar fazia o transporte de Angola, Moçambique, e Guiné, Em Lisboa as ambulâncias faziam o percurso de noite para não chamar a atenção dos lisboetas.
Nesta altura já estava internado no hospital Militar, na Estrela
Serviço de cirurgia plástica.
Quero aqui informar que logo que dei entrada neste serviço, entrei em coma...
Só decorridos quinze dias recuperei a consciência.
A partir da qui foi um desencadiar de acontecimentos uns bons e outros maus.
Descobri que não tinha uma das mãos o braço esquerdo estava com gesso, e tinha os olhos com pensos este foi o primeiro choque que sofri.
Os dias iam passando lentamente, até descobrir que estáva cego...
Mas o mais grave desta situação, a minha família não sabia que eu estava gravemente ferido no hospital Militar, os serviços do Exército não comunicaram o facto a minha família.
Os meus pais tiveram a informação por um amigo meu que por essa altura prestáva serviço no hospital militar.
O tempo decorrido da minha chegada a Lisboa, até os meus pais terem conhecimento foi de 23 dias...
No ano de setenta completei vinte e quatro anos estáva na flor da idade, andei de serviço em serviço durante mais quatro anos.
Em setenta e cinco saí do hospital Militar com a bonita recordação, cego, sem a mão direita e dois dedos na mão esquerda.
Moral baixa estado psicológico baixo.
O hospital Militar não dispunha de Psicólogos...

*A data que consta no texto a cima é a minha versão do acidente.
A versão do Alf Mil Hugo Guerra aponta para o dia 13 de Março.

Entrada para o serviço Militar 18 de Abril de 67.

Partida de Lisboa, 12 Julho 1968 para a Guiné.

Acidente na Guiné 10-03-1970

Manuel Seleiro
Primeiro cabo

DFA,

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segunda-feira, 8 de março de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P60: Memória para os valentes da companhia de Cavalaria 3365:

Mensagem do Plácido Teixeira da C. cav 3365 S. Domingos 71/73.
Com data de 08-03-2010
A viver nos Estados Unidos.
Boston,














Quando olho o relogio e vejo as horas passar, quando vejo um bonito dia

de sol, transformar-se numa noite escura ou uma bonita flor morrer e

desfazer-se, vejo o sinal que tudo acaba, tudo morre. Que tudo tem

fim!!
No Outono, vejo as arvores que eram verdes e frondosas, transformar-se

em castanho e triste. Onde os passaros, alegremente cantaram,

deixaram as folhas cair tristemente no Outono. Deu D.s o nosso corpo

para transportar a nossa alma . A nossa vida e alegria, um dia vai

tambem chegar ao fim!!. Para sempre ficara na memoria, a nossa

personalidade e amor. A nossa alegria e o que fizemos de bem. Uns

partirao por doenca, outros por velhice. A vida acaba tal como

acabaram as flores dos jardins e as folhas das arvores!
Outros infelizmente, deixaram a vida a qual foi muito curta. Foi-lhes

cortada, devido a crueldade, ganancia do poder e desprezo dos homens.

Partiram, vitimas de uma guerra cruel e sem fundamento.
Os que nos deixaram e pertenceram a COMPANHIA DE CAVALARIA 3365,

amigos, camaradas, militares e companheiros, descansem em paz . Nos

nunca vos esqueceremos. Enquanto nao nos juntarmos todos na vida

eterna, ao lado de D.s, voces estarao sempre no nosso pensamento, nas

nossas oracoes, no nosso coracao. Aos corajosos da Companhia de

Cavalaria 3365 que tiveram a felicidade de chegar ate aos dias de

hoje,que continuam a ser a verdura das arvores e as flores dos jardins,

mais um aniversario de uma data que todos lembramos concerteza, o

desejo e que possamos gozar muitos mais anos com a nossa familia e

rodeados de amizade. Bem haja P.Teixeira

Fotos © do Plácido Teixeira direitos reservados
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segunda-feira, 1 de março de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P59: S. Domingos Guiné- no dia em que um pelotão disse NÃO


A foto acima mostra um pelotão da C. cav 3365 a fazer segurança ao pessoal que anda apanhar lenha.


A segunda foto mostra pessoal do Pelotão do Ex Fur Mil Parreira
apanhar lenha.



Mensagem do EX Fur Mil Bernardino Parreira da C. cav 3365 S. Domingos 71/73:
Com data de 28 02 2010.

No cumprimento do Serviço Militar Obrigatório fui mobilizado como
furriel miliciano para a Guiné, mas tenho de confessar que nunca me
moveu o sentimento de "Defesa da Pátria". Sentia-me apenas mais um
desgraçado, utilizado pelo Governo de então, para servir de carne
para canhão, numa Guerra Colonial injusta, e com a qual o Povo
Portugues não se identificava. De modo que o meu objectivo desde que
cheguei à Guiné era a minha sobrevivência e a dos meus companheiros.
Nunca me considerei nem medroso nem valente, nunca prentendi ser
herói nem ganhar medalhas.
A minha conduta sempre se pautou pelo respeito para com os meus
superiores, mas não pela obediência cega. Para mim, acima de tudo
estava o respeito pela vida e pela dignidade humana.
E era com base no respeito mútuo, e na confiança, que os soldados do
meu Pelotão acatavam as ordens que eu lhes transmitia.
Era eu que na C. CAV. 3365 estava incumbido de elaborar as escalas de
serviço, de toda a Companhia, para as mais diversas funções de
patrulhamentos, defesa do quartel, abastecimento de água e de lenha
ao quartel, etc. etc., e os serviços sempre foram assegurados, sem
nunca ter tido problemas com o pessoal que era colocado, de forma
rotativa, nas varias missões que lhe eram confiadas.
Já havia perto de 1 ano que tinhamos chegado a terras da Guiné, mais
concretamente a S. Domingos, já tinhamos sofrido muitas situações
dramáticas, com bombardeamentos ao quartel, emboscadas, camaradas
gravemente feridos, mas nunca tinhamos baixado os braços.
Em Novembro de 1971, o Alferes do meu Pelotão havia sofrido ferimentos
graves na sequência da desmontagem de uma mina anti-pessoal, o que
levou à sua evacuação para a Metrópole. O Pelotão ficou bastante
abalado com aquela triste ocorrência, e, dado não ter havido
substituição do referido militar, o comando do Pelotão era assegurado
pelos furrieis, um dos quais era eu.
Normalmente saíam 2 Pelotões para o mato, e na véspera o nosso
Capitão transmitia as ordens aos Furrieis do 4º. Pelotão, que era o
meu, e ao Alferes do 3º, bem como entregava o mapa com os
"objectivos" a atingir, mas, naquele dia, no final de 1971, ou inicio
de 1972, já não sei precisar bem a data, não o fez.
Apenas o Alferes do outro Pelotão fora informado que tinhamos uma
operação no dia seguinte de madrugada. Como sempre, alinhamos à hora
marcada, e lá fomos caminhando horas e horas para destino incerto. Os
soldados dos dois Pelotões e os furrieis, começaram a notar uma
certa desorientação do Alferes, que estava a desviar-se dos trilhos
por nós conhecidos, mostrando nervosismo e desconhecimento do
percurso a efectuar, e questionavamo-lo para onde nos estava a levar?
E o Alferes respondia que "não tinhamos que saber, que quando lá
chegássemos logo sabiamos"! Todos nós eramos militares experientes, e,
quer de noite ou de dia, conheciamos trilhos e caminhos a percorrer,
naquela densa mata, na região de S. Domingos. Mas receavamos a
aventura em que ele, sob as ordens do Capitão, nos estava a
envolver, e assim andamos Kilómetros e Kilómetros, por mata cerrada,
até que os homens cansados, e exaustos com o calor, começaram a
sentar-se e a recusar prosseguir o caminho para o destino incerto e
desconhecido para nós, e continuavam a perguntar, "para onde é que
este gajo nos leva"?
Ao ver o perigo a que nos estavamos a expor, desnecessariamente, de
imediato me solidarizei com os meus companheiros, e disse ao Alferes
que ou ele me dizia para onde íamos ou eu e o meu Pelotão voltavamos
para o quartel, tendo ele respondido que "não dizia, e que era ele
quem dava as ordens recebidas do Capitão".
Perante isto, eu e o meu companheiro furriel, assumimos a
responsabilidade de regressar ao quartel com o nosso Pelotão. Só que a
maioria dos homens do outro Pelotão, ao qual o Alferes pertencia, de
imediato lhe desobedeceu e colocou-se atrás de nós no sentido de
regressar connosco. E o Alferes, para não ficar no mato com cerca de
meia duzia de militares, seguiu-nos no regresso.
Escusado será dizer que o Alferes comunicou via rádio para o Capitão,
e quando nós chegamos ao quartel já o mesmo estava à porta do Comando,
aos berros, a esbracejar e a proferir ameaças contra mim e contra o
outro furriel.
Quem me conhece sabe que nunca fui cobarde, e se fosse necessário
arriscar a minha vida para defender a dos meus companheiros eu era o
primeiro a voluntariar-me, mas para actos de bravura ou de
aventureirismo na guerra não me perfilava.
Passados poucos dias, eu e o meu camarada furriel, fomos transferidos
para outro quartel.
Nunca me arrependi da minha decisão e não sei o que nos teria
acontecido se tivessemos prosseguido por aquele caminho desconhecido,
quando sabiamos que o PAIGC dominava toda aquela zona. Era a vida e a
integridade física de mais de 60 homens indefesos, que ali seguiam,
que estava a ser posta em causa, sem razão que o justificasse.
Devo realçar que eu era amigo do referido Alferes, e mesmo depois
deste episódio continuei a sê-lo. O que estava em causa não era a
nossa camaradagem, eram as nossas divergências na execução integral
das estratégias delimitadas pelo Capitão, que ficava sentado à
sombra, no quartel, a beber e a fumar, sem arriscar a vida dele, e
sem ter o mais infimo respeito pela vida e dignidade dos militares que
comandava.
Se até os comandos da aviação recusavam enviar os seus aviões para
aquela zona, onde do ar era possível controlar as movimentações do
PAIGC, porque teriamos de ser nós, a "tropa macaca", como nos
apelidavam, a entregar o corpo às balas e às minas?

Bernardino Parreira
Ex Furriel Mil.

Fotos: © do Bernardino Parreira da C. cav 3365 Direitos reservados:

Nota: M.Seleiro

Amigo Parreira admiro a vossa rebeldia:
E o assumir o peso dessa responsabilidade que não devia ter sido fácil.

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