(Pel Caç Nat 60 )

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P73: Poesias de Amilcar Cabral (REGRESSO).

AMILCAR CABRAL








REGRESSO



Mamãe Velha, venha ouvir comigo

O bater da chuva lá no seu portão.

É um bater de amigo

Que vibra dentro do meu coração



A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva,

Que há tanto tempo não batia assim...

Ouvi dizer que a Cidade-Velha

– a ilha toda –

Em poucos dias já virou jardim...



Dizem que o campo se cobriu de verde

Da cor mais bela porque é a cor da esp’rança

Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde.

– É a tempestade que virou bonança...



Venha comigo, Mamãe Velha, venha

Recobre a força e chegue-se ao portão

A chuva amiga já falou mantenha

E bate dentro do meu coração!




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POEMA



Quem é que não se lembra

Daquele grito que parecia trovão?!

– É que ontem

Soltei meu grito de revolta.

Meu grito de revolta ecoou pelos vales mais longínquos da Terra,

Atravessou os mares e os oceanos,

Transpôs os Himalaias de todo o Mundo,

Não respeitou fronteiras

E fez vibrar meu peito...



Meu grito de revolta fez vibrar os peitos de todos os Homens,

Confraternizou todos os Homens

E transformou a Vida...



... Ah! O meu grito de revolta que percorreu o Mundo,

Que não transpôs o Mundo,

O Mundo que sou eu!



Ah! O meu grito de revolta que venceu lá longe,

Muito longe,

Na minha garganta!



Na garganta de todos os Homens




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ROSA NEGRA



Rosa,

Chamam-te Rosa, minha preta formosa

E na tua negrura

Teus dentes se mostram sorrindo.



Teu corpo baloiça, caminhas dançando,

Minha preta formosa, lasciva e ridente

Vais cheia de vida, vais cheia de esperanças

Em teu corpo correndo a seiva da vida

Tuas carnes gritando

E teus lábios sorrindo...



Mas temo tua sorte na vida que vives,

Na vida que temos...

Amanhã terás filhos, minha preta formosa

E varizes nas pernas e dores no corpo;

Minha preta formosa já não serás Rosa,

Serás uma negra sem vida e sofrente

Ser’as uma negra

E eu temo a tua sorte!



Minha preta formosa não temo a tua sorte,

Que a vida que vives não tarda findar...

Minha preta formosa, amanhã terás filhos

Mas também amanhã...

... amanhã terás vida!




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ILHA

Tu vives - mãe adormecida-
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som das músicas sem música
das águas que nos prendem...

Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
- os sonhos dos teus filhos -
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!

Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
- terra dura -
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!


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Fonte: Antologia Poética da Guiné-Bissau, Editorial Inquérito, 1990

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